quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Transtorno bipolar: Difícil diagnosticar, fácil tratar

O transtorno bipolar é considerado de fácil tratamento, mas de difícil diagnóstico. Se eu tivesse que te dar uma notícia boa e outra má, começaria com a boa, dizendo que o tratamento é relativamente fácil... Mas de que isso nos serve se, antes de tudo, não pudermos contar com o diagnóstico correto? Não pode haver um tratamento se, antes, não houver o diagnóstico. De preferência, o diagnósico correto, que nem sempre vem ou tarda a vir...

Para que tenhamos uma ideia melhor, lembremos (será que alguém aí já esqueceu?) que os bipolares não-diagnosticados levam em média 10 anos até que recebam o diagnóstico correto. Esse período nos dá uma ideia do quão difícil pode ser diagnosticar um bipolar... Há também, é claro, aqueles que levam 15, 20 anos até que ouçam de um profissional da área a palavra bipolar...

Antes de passarmos adiante, entretanto, talvez você diga: "O tratamento é considerado fácil? Pensei que fosse difícil!" Sim, é considerado relativamente fácil, mas isso não significa que todos os psiquiatras obtêm os mesmos bons resultados desde o início. Seja como for, se você já recebeu o diagnóstico, anime-se! O palco do maior drama que você poderia viver já foi desmontado se imaginarmos que o drama de um bipolar se divide, essencialmente, em dois grandes atos: diagnóstico e tratamento.

No primeiro ato, surgem os primeiros sintomas, vive-se com eles, não se sabe ou não se percebe o que está havendo. Os sintomas se tornam cada vez mais evidentes ou simplesmente vão se repetindo de modo que as pessoas já não podem deixar de vê-los. O tempo passa. Quase ninguém percebe a diferença entre depressão e tristeza, ou entre euforia e alegria. Depois, quando finalmente vem o diagnóstico e ele é aceito, começa o segundo ato, que é o tratamento...

O primeiro ato, que durou em média uma década, foi aquele em que o bipolar lutou contra algo que ele sequer imaginava existir, ou foi aquele em que o bipolar era vítima de uma "força" invisível que ele sequer podia conjecturar. Esse "não saber o que está havendo" é algo que não vemos naquele segundo ato; é algo que torna este primeiro ato todo especial...

No segundo ato, que durará a vida inteira se o bipolar não abandonar o tratamento, já não é uma luta cega. Os golpes já não são dados no escuro, sem que o bipolar saiba de onde eles vêm. Agora as luzes já estão acesas no palco e o bipolar tem conhecimento do que o atinge e pode revidar, contar com o tratamento médico adequado, etc. Enfim, é uma luta mais justa, ainda que menos dramática, porque o conflito, neste segundo ato, é menor. Digo menor porque alguns elementos foram suprimidos, e o bipolar vai se aproximando de uma vida normal, ou seja, vai se aproximando de uma condição em que o conflito do primeiro ato deixa de existir, ainda que aqui e ali o bipolar possa ter uma nova crise, uma recaída...

Em poucas palavras, se o drama do bipolar consiste em sofrer com os sintomas do transtorno, significa que esse drama é menor na medida em que os sintomas são anulados e o bipolar tem uma vida normal ou praticamente normal. Outros dramas, secundários (secundários porque dependem de um drama principal, que é a luta contra o TAB), são a luta contra o estigma, a gravidez durante o TAB, etc. Mas não nos alonguemos muito...

De ambos os atos, portanto, o primeiro me parece mais dramático, ainda que certamente valha a pena acompanhar o segundo também, especialmente se você é bipolar e se este é seu drama...

Talvez alguém diga que o segundo ato é igualmente dramático ou até mais, e eu concordarei com isso se o bipolar não recebe o tratamento adequado ou o abandona... Um bipolar sem tratamento adequado ou que decide abandoná-lo continua a viver o drama do primeiro ato, porque os sintomas persistem e a enfermidade avança... A diferença é que agora o bipolar tem consciência de sua enfermidade e não se trata, isto é, não quer passar ao segundo ato...

No romance “Marta”, todo esse primeiro ato é descrito do início até o fim, começando um pouco antes, porque também conhecemos a vida de Marta antes de o TAB se manifestar. Esse período anterior ao TAB é chamado de pré-mórbido e constitui a quarta parte da obra, narrada pela própria Marta...

Mas por que, afinal, esse primeiro ato pode durar tanto tempo? Algumas explicações:

a) As pessoas, de modo geral, desconhecem o transtorno bipolar ou tem uma ideia sobre ele que não corresponde à realidade;

b) As pessoas não aceitam a possibilidade de que possam sofrer de algum distúrbio mental e "fecham os olhos" para os sintomas;

c) O transtorno bipolar, considerado de difícil diagnóstico, às vezes é confundido com depressão monopolar ou outras enfermidades;

d) As pessoas só costumam procurar ajuda médica quando algo drástico acontece;

e) As pessoas costumam achar justificativas para as crises de depressão e de euforia, dizendo que "ele perdeu o emprego, terminou o noivado, etc.";

f) O transtorno bipolar pode apresentar sintomas diferentes a cada novo episódio;

g) Cada bipolar pode manifestar o transtorno de um modo diferente.

A explicação (f) impede que as pessoas criem uma única imagem em suas mentes que corresponda à de um bipolar. Seria preciso haver várias imagens, ou seria preciso haver uma imagem resumida ao que o TAB tem de essencial.

A explicação (g) faz com que o transtorno bipolar pareça ter sumido. Porque, se ele reaparece de cara nova, parecerá outro "bicho", como um camaleão que consegue se camuflar porque muda de aparência de quando em quando...

Sobre as outras explicações, de (a) a (e), não as comentarei nesta postagem. São demasiadamente óbvias para que falemos delas de modo resumido e objetivo. Para que não cansemos o leitor, passemos ao último parágrafo deste post.

Ainda que seja difícil diagnosticar o TAB e conviver com ele sem o tratamento adequado, as esperanças de uma vida normal são muitas, especialmente nestes últimos 15 anos em que as pesquisas avançaram bastante. Porque, como eu disse, o tratamento é considerado relativamente fácil, e o maior drama do bipolar costuma vir do não-diagnóstico e do não-tratamento. As expectativas de uma vida feliz ou produtiva são cada vez mais animadoras e tudo o que devemos fazer, como leigos, é incentivar a busca pelo diagnóstico e pelo tratamento adequado, além de reduzir o estigma para que os bipolares, tendo uma vida normal, também encontrem um mundo em que possam viver normalmente...


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Texto próprio, publicado originalmente em outro blog.

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