sexta-feira, 22 de julho de 2011

"Navegar é preciso, viver não é preciso"


POMPEU FOI ESPIRITUOSO
 AO PROFERIR O ADÁGIO,
NÃO MELANCÓLICO

De quando em quando, alguém tenta interpretar esse adágio, e daí surgem artigos na mídia escrita e na TV. Curiosamente, todas as tentativas de interpretação são iguais, porque todos chegam à mesma conclusão...

Todos entendem que preciso talvez esteja empregado com o sentido de exato e, não, com o sentido de necessário. Sendo assim, deveríamos entender que Navegar é exato, viver não é exato. Faz sentido? Sim. E não só faz sentido, como também deixa o sentido do adágio muito mais bonito: Navegar é uma ciência; é exato. Só a vida não é exata, porque a vida não nos dá certeza de nada.

Mas sejamos críticos; o século XIX, com os seus poetas ingênuos, já passou. Sendo assim, perguntemos: Por que alguém entendeu que preciso está empregado com o sentido de exato e, não, com o sentido de necessário? Provavelmente porque alguém se lembrou de que preciso pode ter ambos os sentidos e optou por um deles, isto é, simplesmente aventou uma hipótese, talvez imaginando que a ideia de exatidão daria ao adágio uma interpretação que, além de nova, seria mais bonita. Provavelmente um bom dicionário foi consultado.

O que há de errado nisso? Nada. Às vezes eu também viajo na maionese e frequentemente consulto dicionários...

Mas, levando a questão para outro terreno, você, meu caro leitor, não me consideraria tolo se eu me deixasse seduzir por uma garota só porque ela é bonita, perdendo todo o meu senso crítico enquanto ela me faz de bobo? Pois é! Tampouco devemos nos deixar levar pela beleza de uma frase, por mais bonita que possa ser, enquanto ela nos faz de tolos...


O sentido verdadeiro

Para entendermos bem esse adágio, devemos saber, antes de tudo, História Antiga e Latim. Explico:

Pompeu deveria escoltar uma frota que levaria mantimentos da Sicília até Roma. Porque os romanos estavam às voltas com a escassez de comida durante uma revolta de escravos, liderada por Espártaco. Na Sicília, o comandante da frota achou melhor adiar a partida para Roma, prevendo mau tempo no mar. Foi então que Pompeu disse Navigare necesse, vivere non necesse.

O verbo empregado, notemos, é necessere, que tem o sentido de necessitar, mas não tem o sentido de ser exato... Do verbo latino necessere é que veio o verbo necessitar em português, que não nos dá a ideia de exatidão, mas de necessidade.

Se o adágio tivesse sido traduzido ao pé da letra para o português, Navigare necesse, vivere non necesse teria ficado assim: Navegar necessita, viver não necessita, o que, num português de gente, seria Urge navegar, viver não urge ou Navegar é necessário, viver não é necessário.

(Urgir significa ser necessário.)

Mas quem fez a tradução optou por Navegar é preciso, viver não é preciso. (Provavelmente porque usamos muito mais o verbo precisar e derivados que necessitar e cia.) Sendo assim, agora é fácil ver que o adágio só pode ter um sentido ou que ele não tem sentido dúbio.

Uma variante desse adágio, bastante vista, é Navigare necesset est, vivere non est necesse. Mas, mesmo nesse caso, aí está o necesset e a ideia de necessitar...

Agora, veja: Muitas pessoas conhecem esse adágio apenas em português, porque o viram num poema de Pessoa que diz Navegadores antigos [isto é, da Antiguidade ou da História Antiga] tinham um lema...

Sendo assim, poderíamos ao menos dizer que a Navegação era uma ciência exata na Antiguidade ou mesmo na época das Grandes Navegações? Vejamos... Para que tenhamos um ideia, eu diria que, na Segunda Guerra Mundial, que foi a guerra que mais matou gente na História da Humanidade, de cada 40 pessoas que iam lutar, 1 não voltava. Na época das Grandes Nevagações, de cada 40 pessoas que iam para as longas viagens através do oceano, 20 não voltavam... Pois é! Parece que navegar não era tão exato assim...

Mas devo repreender quem diz que Navegar é exato, viver não é exato? De modo algum. Eles são mais inteligentes do que eu. Eles são doutores, escrevem artigos para os jornais, dão palestras na TV, são respeitados nos seus pequenos círculos ou guetos e até nacionalmente. E isso não é à toa. Além do mais, se eles dissessem que 2+2 são 5, a maioria de vocês acreditaria neles facilmente, ainda que eu tentasse provar que 2+2 são 4. Eu não posso contar com o chamado argumento de autoridade. Eles podem.

Provavelmente eu também cometo meus pequenos enganos, com a diferença ou o agravante de que não sou aplaudido por milhões de pessoas enquanto digo minhas bobagenzinhas por aí... Mas, como já disse uma vez em outro post, este é o lugar que eu escolhi para dizer minhas bobagens; e fico à vontade para dizê-las, assim como imagino que vocês fiquem à vontade para lê-las.

Este blog é só um blog. Não tem a pretensão de ser nada...

Mas, especificamente sobre o post de hoje, espero que ao menos alguns de vocês acreditem no pouco que sei de Português, História e Latim. Não é muito, garanto a vocês. Mas foi com o pouco que sei dessas ciências que pude produzir o post de hoje. Pensando bem, quem é que é especialista nessas três ciências ao mesmo tempo?

Parece que ninguém...


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