domingo, 12 de junho de 2011

12 de junho bipolar

Já houve o tempo em que o casamento arranjado era comum. O namoro, quando havia, se resumia a algumas conversas do noivo com a noiva, sempre em ambiente familiar ou coisa que o valha. O noivo ia à casa da noiva e, ao menos teoricamente, eles ficavam a sós para uma conversa, para se conhecerem melhor. Na prática, havia alguém próximo, nos bastidores, para garantir que a conversa realmente não passasse de um colóquio...

A convivência vinha depois do casamento.

Mas, mesmo quando o casamento não era arranjado, ao menos o namoro acontecia assim, sob os cuidados ou a supervisão de alguém. Porque a mulher era um produto que pertencia ao pai. O pretendente devia comprar a noiva ou ao menos pedir autorização ao dono para levá-la. Do contrário, era o mesmo que um roubo ou tentativa de roubo. Mas às vezes era o dono (o pai) que oferecia algo para que a filha se casasse, pelo menos, com alguém à altura (no caso de ninguém à altura estar interessado, é claro!). Da década de 60 para cá é que tudo mudou bastante...

Mas uma bipolar que se casasse nessas cricunstâncias não passaria por tantas relações amorosas mal-sucedidas, como é comum entre bipolares. Ela acabaria se casando mais facilmente. Ainda assim, a convivência com o outro não deixaria de existir, pelo contrário, é aí que realmente começaria! Imagine isso numa época em que não havia divórcio ou desquite... O drama da civilização ocidental já tem milênios... As primeiras descrições do TAB também.

Mas agora imaginemos um homem bipolar. Tudo muda. Como ele poderia se casar numa época assim, em que cabia rigorosamente ao homem o sustento da família? Um bipolar que passasse boa parte do tempo desempregado e que dependesse de relações de compadrio para conseguir uma noiva, teria mais dificuldades para se casar.

Digo relações de compadrio porque é algo típico na Sociedade patriarcal, a qual predominou até décadas atrás, no Brasil e no mundo, não tendo deixado de existir em alguns países, nem desaparecido completamente no Brasil até os dias de hoje...


Van Gogh

Vejamos o caso de um bipolar famoso. Van Gogh dependia da ajuda de familiares e de terceiros para viver, e foi assim até o fim de sua vida. Até mesmo a arma com que ele pôs fim a seus dias lhe foi emprestada por seu irmão... Ao menos ele efetuou o disparo quando estava num lugar bonito, no campo de trigo que ele havia retratado dias antes...

Pois bem! Agora que já dissemos que Van Gogh não era capaz de se sustentar sozinho, falemos de sua prima, por quem ele se apaixonou. Ele chegou a dizer que gostaria de se casar com ela. A resposta foi um categórico eu nunca me casaria com você...

Ainda assim, suponhamos que ela tivesse aceitado. O que teria acontecido? Naturalmente ela teria engravidado e ele seria responsável pelo sustento de... 3? 4? 10? Bem... isso depende do número de filhos que eles teriam... Lembre-se de que estamos na Holanda do século XIX...

Van Gogh não chegou a viver para ver a fama e o dinheiro oriundos de suas telas. Seria o bastante para que ele tivesse uma modesta vida de milionário...  


Napoleão

Talvez alguém queira falar das relações amorosas de um bipolar bem-sucedido ainda em vida. É claro que tudo mudou depois que Napoleão se tornou imperador. Mas estamos falando de como as variações de humor tornam as relações amorosas mais difíceis e, não, de como o Poder pode facilitar essas relações. Sendo assim, nos lembremos da vida ainda humilde de Napoleão, antes de começar a subir na carreira militar. Nessa época, consta que ele requisitou o amor de várias mulheres, pedindo-as em casamento e sendo rejeitado até mesmo pelas mais improváveis mulheres...

Para ele, foi mais fácil conquistar a Europa do que consquistar o amor de uma mulher. Ou pelo menos as coisas parecem ter vindo nessa ordem (boa parte da Europa primeiro, amor de uma mulher depois) se temos em mente Marie Velawska, Maintenant que Marie l'ame (Agora que Marie o ama), como diz Castelot numa biografia de Napoleão que eu li muito tempo atrás e que meu cérebro fez o favor de guardar para esta ocasião...

Mas o que eu quero dizer com isto tudo? Resposta:

As variações de humor fazem com que os relacionamentos amorosos se tornem mais difíceis. Não digo impossíveis, mas digo que, de outro modo, eles seriam mais fáceis.

Talvez alguém diga que a hipomania faz do bipolar um irresistível Don Juan, o que me lembra um ditado que diz que O vinho faz do príncipe um poeta, e do poeta um príncipe. Mas o efeito da euforia, assim como o do vinho, passa. Além do mais, a euforia e o vinho também podem ter o seu lado nada romântico... Por fim, lembre-se de que estamos falando de relações amorosas de longo prazo e, não, da conquista de uma noite...

O bipolar, para ter maiores chances de viver uma história de amor longa, deve reagir em função do outro e, não, em função de seu próprio humor, que obedece a fatores internos.

O mais sensato, para viver um grande amor, é estabilizar o humor em vez de deixá-lo sem rédeas. O TAB não deveria ser um cavalo selvagem ou arisco, mas domado. Quanto mais o humor estiver estabilizado, melhor. Um bipolar pode se sentir muito bem numa fase de euforia, mas e a outra pessoa? o namorado? o noivo? o marido? Podemos nos esquecer do outro numa relação a dois?

Voltemos aos nossos dias e vejamos estes números. De 60 a 70% dos esquizofrênicos não se casam. Mas o que dizer de bipolares? Os números que tenho se referem a divórcios. De cada 10 casamentos, 9 acabam em divórcio quando um dos cônjuges é bipolar...

Não falarei de preconceito aqui, mas em outro post. Hoje eu só queria falar das variações de humor, que tornam um relacionamento menos fácil... Mas a instabilidade de humor não acontece só com bipolares. Antes de tudo, entendamos melhor como o humor do bipolar varia.

Imagine um bipolar tipo I, que alterna fases de mania e de depressão. A mania durará pelo menos uma semana. A depressão, pelo menos dois meses. Haverá periodos de vida normal. Isso quer dizer que o humor varia dentro de semanas ou meses. Não é a variação de humor que vemos num borderline por exemplo.

Num borderline, o humor varia dentro de um tempo muito menor. Segundos, minutos, quando muito horas. Não há fases longas, por assim dizer. É claro que há outras boas diferenças entre transtorno bipolar e transtorno borderline; e é claro que, dependendo do bipolar, as diferenças entre ambos os transtornos podem ser bem pequenas. Mas não nos alonguemos; não nos alonguemos muito. Afinal, isto aqui é o 12 de junho bipolar e, não, o 12 de junho borderline!

O que eu ainda gostaria de dizer é isto: Tente se lembrar de histórias de amor interrompidas, vividas por bipolares. Obviamente, os bipolares não estão isentos de serem traídos, humilhados, maltratados, etc., como qualquer pessoa normal. Mas veja que muitas bipolares ainda pensam em seus ex-namorados e desejam reatar com eles um dia, ainda que agora vejam neles defeitos que antes elas não viam. Uma borderline veria o ex que a traiu ou a humilhou como um verdadeiro demônio, que só tem defeitos; e se ela antes o queria, agora já não o quer.

Instabilidade emocional (mudar de humor a cada segundo, a cada minuto), não saber direito o que quer (isso agora é bom, isso agora é ruim), achar alguém perfeito e depois a pior das pessoas, sem haver meio-termo, sem haver transição, essas são características que dizem respeito essencialmente ao borderline, ainda que possam nos lembrar bastante um bipolar. Veja: Se você é uma bipolar e ainda ama seu ex que a traiu ou a abandonou, isso mostra que, apesar das suas variações de humor, você ainda sabe o quer e percebe que, se ele não era perfeito, pelo menos não era tão mau assim... Dá pro gasto... Uma borderline agiria de outro modo.

Enfim, diferentemente do que muitos pensam, instabilidade emocional não é TAB, mas outro transtorno, que pode ser borderline, um subtipo de instabilidade emocional. Mas esse aí já é assunto para outro post... (Pelas minhas contas, já estou devendo três posts a vocês, só porque escrevi este aqui!).


Conclusão? Invista na estabilização do humor e na psicoterapia. A longo prazo, isso fará toda a diferença se você está pensando em relacionamentos duradouros. Desse modo, você terá praticamente as mesmas chances de um não-bipolar no amor... Pode não ser muito; mas, como dizem os espanhóis, algo es algo (pouco é melhor que nada; já está bom para começar ou recomeçar)...


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