quarta-feira, 30 de março de 2011

Fukushima é aqui, Fukushima não é aqui

O acidente em Fukushima evoluiu. Ele passou de 4 para 6 na escala que mede a gravidade dos acidentes nucleares.

O acidente com Chernobyl alcançou 7 pontos na escala, que vai até 7. Foi o pior acidente nuclear da História.

Mas fiquemos com Fukushima por enquanto. E façamos mais: tracemos um paralelo entre Fukushima e Angra I. Sendo assim, imaginemos que o mesmo acidente tenha acontecido em Angra. (Sei que até imaginar é horrível, como disse Vieira, mas imaginemos e comparemos... Os trechos em itálico são imaginados.)

A usina de Fukushima está a 60km do centro da cidade de Fukushima.
Angra I está a 15km* do centro de Angra.

A radiação da usina japonesa alcançou uma área de 30km de raio. O centro da cidade está a 30km da área contaminada.
A radiação de Angra I alcançou uma área de 30km de raio. O centro de Angra está dentro da área contaminada.

O governo americano entende que a área contaminada tem 80km de raio. A Inglaterra concorda com o governo dos EUA. Isso significa que a radiação chega até o centro da cidade de Fukushima.
O governo americano entende que a área contaminada tem 80km de raio. A Inglaterra concorda com o governo dos EUA. Isso significa que a radiação chega até o centro de Angra dos Reis e de Paraty. Turistas abandonam essas cidades, viagens de turismo são canceladas.

Há a notícia ou o boato de que a radiação chegou até Tóquio, a 220km de Fukushima. Pessoas abandonam a capital japonesa e rumam para o Sul.
Há a notícia ou o boato de que a radição chegou até São Paulo, a 244km* de Angra. Pessoas abandonam São Paulo. Habitantes do Rio de Janeiro, a 126km* de Angra, também fogem.

Turistas estrangeiros abandonam o Japão.
Turistas estrangeiros abandonam Rio de Janeiro e São Paulo.

Japoneses fazem fila para comprar comida. Não há notícia de saques.
Brasileiros fazem fila para comprar comida. Há notícia de saques (como já aconteceu em outras grandes tragédias brasileiras; usemos o passado para termos uma ideia de como seria o futuro).

Alimentos produzidos na região de Fukushima e a água estão contaminados.
Alimentos produzidos no Sul-Fluminense, leste do estado de São Paulo, regiões próximas e a água ficam impróprios para consumo.

O governo japonês distribui iodo e máscaras à população.
O governo brasileiro distribui iodo e máscaras à população.

E chega de comparações.

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(*) Distância em linha reta. O radiação não viaja pela estrada, fazendo curvas.


Angra I e II: localização e defesa

No caso de evacuar a população dos arredores de Angra I e II, há certas desvantagens. O litoral sul-fluminense é muito recortado. Não se pode avançar em linha reta, senão fazendo inúmeras voltas pela estrada, o que torna a viagem por terra bastante lenta.

As vantagens da localização de Angra I e II são os morros que existem em abundância na região. Eles seriam um bom obstáculo à propagação do material radioativo.

Outra preocupação que os militares tiveram, na época, foi a segurança das usinas em caso de ataque aéreo. A serra, na região, dificultaria um ataque aéreo se este viesse pelo continente. É uma preocupação que não costumamos ter, mas que os militares tiveram. Na década de 70, essa possibilidade era muito maior que agora, se pensarmos na Argentina, que, na década de 80, não receou começar uma guerra com a Inglaterra, que até hoje é uma grande potência militar. Antes dessa guerra (a das Malvinas) o exército argentino era bem mais respeitado ou temido.

E, como eu disse em outro post, até certo tempo atrás o grosso do exército brasileiro estava na fronteira sul. Devo dizer que não era à toa.

Em poucas palavras, é um grande erro pensar nas usinas de Angra sem pensar nos militares ou na época em que elas foram construídas. As preocupações militares de defesa tiveram maior peso que a preocupação em evacuar a população, que, na época, era bem menor. A população total da cidade, na década de 70, era de uns 70 mil. Hoje, 168 mil.


Fukushima não é aqui

Seja como for, não podemos esperar que o Brasil seja uma xérox do Japão caso aconteça um acidente nuclear em Angra. Os demais elementos, que contribuiriam para o drama, são diferentes. Os atores e o cenário não seriam os mesmos...

Nossa Sociologia não é a mesma, isto é, não podemos esperar quer o povo daqui se comporte como o de lá. Nossa Geografia também é diferente, isto é, não podemos esperar tremores de terra tão fortes, nem grandes ondas como aquelas de 10 metros que vimos no Japão. Seria mais provável que enfrentássemos um incêndio nas usinas de Angra que um terremoto ou tsunami. E nossas maiores preocupações, na realidade, são com possíveis incêndios na área das usinas.

Há um quebra-mar à frente do complexo nuclear brasileiro para conter ondas de até 6 metros de altura, e nunca tivemos um tsunami à japonesa... Os quebra-mares que existem no Japão (especialmente aquele à frente da usina de Fukushima) foram projetados para enfrentar ondas de até 8 metros.

O que poderíamos esperar é que um acidente de gravidade 6 acontecesse aqui, como aconteceu lá, e nos preparar para esse possível acidente. Esperar mais que isso, ou melhor, esperar uma xérox nacional do acidente de Fukushima, é ignorar as diferenças que existem entre Japão e Brasil.

Sempre que acontece um acidente nuclear, todos se lembram de Chernobyl. Aconteceu o mesmo com o aciente japonês. Certamente, podemos esperar novos acidentes nucleares em qualquer parte do mundo, mas a pergunta é: Deveríamos esperar o eterno retorno do acidente de Chernobyl?


Nosso Plano de Emergência

Sobre o plano de emergência de Angra, ele funciona desta maneira:

Havendo um acidente, a população que vive numa área de 3km de raio será retirada para uma distância de 5km das usinas. Se necessário, ela será retirada para uma distância de 10km. Se ainda for necessário, será retirada para uma distância de 15km.

A área a desocupar em caso de acidente, depende, obviamente, da gravidade desse acidente. Mas, sempre que ouço falar em desocupação, nunca escuto as autoridades mencionarem uma área superior a 15km de raio. Por quê? A resposta é simples, mas os motivos são complexos:

Uma área superior a 15km significaria a retirada de toda a população do centro e outros bairros populosos de Angra. Seria uma grande retirada! Obviamente, essa grande retirada exigiria meios igualmente grandes...E talvez esse remédio (essa retirada de um grande contingente) fizesse mais mal que bem, gerando o caos...

Podemos esperar que a população do centro de Angra continue sendo orientada a ficar abrigada em casa, fechando portas e adotando outros cuidados, ainda que tenhamos um acidente de gravidade 6, como o de Fukushima, ou 7, como o de Chernobyl.

Aliás, em Fukushima, a área realmente evacuada abrangeu 20km de raio e, não, 30km. Explico: Os habitantes que se encontravam nesses primeiros 20km de raio, foram evacuados. Os que moravam nesta última faixa de 10km, foram orientados a permanecer em casa, abrigados. Só recentemente as autoridades japonesas estão oferecendo ajuda aos moradores que decidam retirar-se desta última faixa de 10km.

Poderíamos esperar o mesmo para o centro de Angra. E é isso o que podemos entender das explicações das autoridades brasileiras ao falar sobre o Plano de Emergência.

Certamente, não podemos esperar que todos obedeçam a essas recomendações em caso de acidente. Muitos agiriam por conta própria, isto é, abandonariam suas casas em vez de permanecerem nelas, e deixariam a cidade. Seria uma espécie de minicaos.

Além do mais, os simulados com as sirenes das usinas de Angra não acontecem no centro da cidade, mas em bairros próximos às usinas. Daí também podemos concluir que os moradores do centro não fazem parte de um plano de retirada. Mas a pergunta é: não fazem parte de tal plano de retirada em hipótese nenhuma?

No centro da cidade, o Plano de Emergência orienta a população a acompanhar instruções pelas rádios locais e pela TV.

Mas, em acidentes como o que houve no Japão, os especialistas recomendam que a área a desocupar deva ser de 75km. Essa área lembra bastante aquela de 80km sugerida pelos EUA a seus cidadãos no Japão. Sendo assim, o que dizer daqueles 20 ou 30km de Fukushima? E o que dizer dos nossos 15km em Angra dos Reis?

Obviamente, evacuar a população do centro de Angra é apenas uma questão e, não, a única. Outras questões, que influem sobre essa, seriam: 1) é possível retirar dezenas de milhares de pessoas da região em tempo hábil? 2) de que meios disporíamos? 3) a BR 101 estará transitável no momento do acidente? não haverá deslizamentos de terra como há às vezes? 4) poderíamos deslocar navios para retirar a população através do porto da cidade, no centro, ou através do terminal da Petrobras, na Ponta Leste? quantos dias ou semanas essa retirada levaria através do mar, por exemplo?

Navios de carga devem esvaziar seus porões antes de receber gente em seu interior, o que significa que atracariam em outro porto antes. De modo geral, navios de carga vão cheios e voltam cheios, nunca ou quase nunca eles vão vazios buscar uma carga. Porque assim, financeiramente, é mais lucrativo. E a operação de descarga (isso mesmo, descarga, descarregamento, download) pode levar dias ou semanas.

Navios de passageiros que estejam perto, igualmente, já estarão levando passageiros. Provavelmente turistas estrangeiros, se estamos falando dos transatlânticos.

Os navios, como sabemos, se deslocam a uma velocidade muito baixa, levam dias ou semanas até que venham de outros portos, em outras cidades ou estados. Portos próximos são os de Santos/SP e Sepetiba/RJ.

Sobre navios da Marinha, não me lembro de nenhum episódio da História do Brasil em que eles tenham transportado 50, 100 mil pessoas durante um período de poucas horas. (Provavelmente ninguém se lembra!) Ainda assim, seriam as embarcações mais aptas a ajudar, especialmente se pensamos nos navios Desembarque-Doca. A base naval mais próxima é a de Mocanguê, junto à ponte RioNiterói. (Há algum militar lendo este post?)

Enfim, retirar dezenas de milhares de pessoas do centro de Angra e arredores, através de navios, é praticamente inviável se levamos em conta o fator tempo. A BR 101 pode estar intransitável devido a um deslizamento de terra, o que não acontece sempre, mas às vezes. No Japão, por exemplo, foi a neve que obstruiu estradas no norte do país. A maior preocupação com a BR 101 não deveria ser o seu estado de conservação, porque ela não será transformada em pista de corrida em caso de acidente nuclear, pelo contrário, o trânsito provavelmente ficaria lento em caso de evacuação da cidade. A grande preocupação deveria ser o livre trânsito da BR 101 em tempo integral.

Há a estrada que leva até Barra Mansa, mas, ainda assim, como transportar tanta gente?

Os habitantes do centro de Angra, obviamente, não poderiam se afastar das usinas indo para oeste, em direção de Paraty pela BR 101, ou estariam rumando para as usinas...


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Angra I, II, III, IV...

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