terça-feira, 15 de março de 2011

Angra I, II, III, IV...

Ouço tantas bobagens a respeito de Angra I e II depois que houve o acidente com a usina japonesa, que também me sinto no direito de dizer algumas besteiras. Vamos lá!

Acidente nuclear é tudo igual? Não, não é. Há uma escala que vai de 0 a 7, usada para medir a gravidade dos acidentes nucleares. O acidente na usina japonesa de Fukushima alcançou a classificação 4 nessa escala e eles evacuaram uma área de 20km em torno da usina. As 80 mil pessoas que viviam nessa área tiveram que deixar suas casas.

Agora, pensemos naquelas pessoas que, vivendo em Angra, dizem que matariam, que roubariam barcos, etc., tudo para que sejam os primeiros a fugir caso haja um acidente. Eles fariam isso até mesmo se tivéssemos um acidente de gravidade 0 ou 1 na escala? Seria, no mínimo, patético.

Daí podemos chegar a esta triste conclusão: Se no Japão houve um acidente de classificação 4, sem que houvesse pânico, assassinatos ou roubos de embarcações para escapar, o que haveria em Angra caso houvesse ali um acidente igual, de número 4 na escala? Provavelmente muito barulho, como não houve no Japão, porque aqui parece haver a ideia generalizada de fuga a todo custo, tanto maior na medida em que as pessoas são desinformadas.

Como disse Goethe (vejamos se ainda me lembro bem da frase), nada mais horrendo que a ignorância em ação.

As usinas de Angra não são como aquela de Fukushima. As daqui são um modelo alemão da década de 70. Sendo assim, deveríamos observar mais atentamente o que acontece com as usinas da Alemanha, onde deve  haver modelos até mais antigos que esse que temos no Brasil, porque nossa entrada na era nuclear se deu mais tardiamente que em outros países.

Ainda assim, suponhamos que houvesse um acidente de classificação 4 em alguma das usinas de Angra. Ora! As usinas não são iguais. As daqui, comparadas com as de Fukushima, são até mais seguras. Mas suponhamos que as nossas fossem iguais. Ainda assim, o terreno em que as nossas se localizam não é o mesmo, isto é, Angra I e II se localizam em Itaorna, que é uma enseada cercada pela serra. As pequenas montanhas ou morros que cercam as usinas funcionam como uma espécie de barreira ou muralha que ajudaria a conter o material radioativo em caso de vazamento. E a enseada à frente faz com que as usinas estejam "encravadas" no litoral, ou seja, as estremidades da enseada são como muros que contornam as usinas pelos lados. À frente, há o quebra-mar e o mar...

Quem já viu imagens da usina de Fukushima na TV, pode notar que a área em que ela se localiza é relativamente plana, ainda que vejamos montanhas ao longe, ao fundo.

Outro detalhe é que Angra, de modo geral, não é tão densamente povoada, ainda que o centro da cidade seja mais populoso que qualquer bairro próximo das usinas. Provavelmente a população total num raio de 20km em torno das usinas brasileiras não chegue a 80 mil como em Fukushima. Seja como for, 60 ou 70 mil já seria um número grande. Sob esse ponto de vista, os habitantes de Fukushima levam vantagem. O centro da cidade deles fica a 60km da usina...

O centro de Angra fica mais perto,  a 14,5  ou 15km das usinas. Essa distância é medida em linha reta, porque a radiação, viajando pelo ar, não obedece às curvas de uma estrada de asfalto. Isso significa que o centro de Angra estaria dentro daquela área japonesa de 20km de raio se Fukushima fosse aqui...

Pela estrada, entretanto, leva-se aproxidamente 70 minutos entre o centro e Itaorna. Porque, pela estrada, a distância percorrida é de 45 ou 50 km, devido ao fato de a estrada acompanhar o contorno do litoral, que é muito sinuoso. Essa é uma desvantagem se pensamos em evacuar a população por terra. Outra desvantagem é o estado de conservação da BR 101 ou os deslizamentos que, às vezes, acontecem nas margens da rodovia, impedindo o trânsito. Obviamente, as estradas japonesas costumam estar mais bem conservadas, ainda que também possam ser obstruídas pela neve durante o inverno no norte do Japão. Seja como for, pode-se chegar ao Rio ou a Minas por outra rota, se a viagem começar por uma estrada que liga Angra a Barra Mansa, caso trechos da BR 101 localizados próximos a Angra estejam obstruídos ou com trânsito lento.

O mar, obviamente, não deixa de ser uma grande estrada sem curvas se pensamos no litoral, no porto da cidade e na ajuda da Marinha... Não, não estou falando de uma retirada de Dunquerque, de uma corrida dramática contra o tempo, a não ser que todas as estradas ou vias terrestres estejam realmente obstruídas no momento do acidente...

Mas continuemos imaginando e comparando Angra a Fukushima sem maiores devaneios. Suponhamos que o modelo das usinas fosse o mesmo, o terreno igual, a quantidade de habitantes a mesma, a gravidade do acidente idem, etc. Mesmo assim, se uma área de 20km em torno das usinas tivesse que ser evacuada à japonesa, ao menos a parte leste da cidade ainda estaria além dos limites dessa área. Na parte leste, encontramos o Estaleiro, o terminal da Petrobras, etc.

É claro que as condições do tempo no momento do acidente influenciam ou até determinam a propagação do material radioativo. Ventos fortes podem levar o material radiotivo em qualquer direção: Mangaratiba a leste, Paraty a oeste, oceano Atlântico ao sul ou Cunha/SP ao norte.

É claro que todas essas cidades acima não estão livres de ser atingidas, mas aí teríamos que imaginar toda uma situação diferente, o que não farei neste post, talvez em nenhum. Provavelmente assim que o Japão sair das manchetes dos jornais, este assunto será esquecido. Você duvida? Vejamos abaixo outros exemplos....

Alguém ainda está falando dos deslizamentos na serra do Rio? Do terremoto do Haiti que matou mais de 100 mil pessoas? Do vulcão da Islândia cujas cinzas impediram o tráfego aéreo na Europa? Todos esses assuntos são relativamente recentes, mas já não andam na mídia nem nas rodas de bate-papo. Pois é! Parece que a medida de nossa memória é a mídia. Também parece que só ela determina a matéria de nossas conversas, salvo, é claro, o que acontece na vizinhança... as fofocas de bairro.

Já notou como os temas das redações escolares costumam acompanhar os assuntos da novela das oito? Não? Pois veja. É incrível como as crianças pesquisaram sobre leucemia quando uma novela das oito (que começa às 9!) abordou o tema. Há muitos outros casos assim. Não digo que esses temas não devam ser pesquisados, porque devem, mas daí a deixar que a TV determine o que as crianças devem pesquisar...

A verdade é que os alunos mal têm tempo para estudar todos os assuntos fundamentais, básicos, que cairão no Vestibular. E eles ainda pesquisam sobre assuntos que sequer são a base do currículo escolar. Talvez o motivo para esse fato tão curioso (salvo as explicações sociológicas, é claro!) tenha a ver com aquela frase de Oscar Wilde: Que Deus me dê o supérfluo [para viver], porque o básico todo o mundo tem. Consertando a frase ou levando-a para outro contexto: Que Deus me dê o supérfluo [para pesquisar], porque o básico todo o mundo tem [que pesquisar e não pesquisa].

Seja como for, não acredito que o MEC tenha alguma relação secreta com a Rede Globo... Também excluo os bons professores dessa papagaiada acima.

Mas não, não vou falar de Chernobyl. Deus me livre falar desse caso. Mas, se digo Deus me livre, não estou me referindo à gravidade do acidente, mas ao lugar-comum que ele se tornou. Todos falam. E pior: todos falam a mesma coisa. A única novidade sobre o acidente foi a nova pronúncia para o nome da usina. Quem viu o Jornal Nacional ontem, sabe do que estou falando. Pelo menos alguém inovou alguma coisa ao falar de Chernobyl, ou melhor, de Chernóbyl, como dizem os ucranianos com sua pronúncia.

Chernóbyl é a primeira palavra que aprendo a falar em Ucraniano. E provavelmente será a última. Mas vá lá. Já posso dizer que sei falar uma palavra ou outra nesse idioma. Literalmente.

A nova pronúncia me causou mais interesse que as velhas notícias sobre... Chernobyl ou Chernóbyl? Bem... agora tenho que decidir.

Decido depois.


Outras besteiras minhas...

Se ainda posso continuar dizendo bobagens, quero dizer mais esta:

Muitas pessoas, ingenuamente, criticam o fato de termos usinas nucleares. A justificativa que eles apresentam é que as nossas usinas só respondem por 2,5% (alguns dizem 3,3%) do total da energia elétrica produzida no País. Ora! Quem acredita que temos usinas unicamente para a produção de energia elétrica é ingênuo ou não conhece História do Brasil...

As usinas fazem parte de um projeto maior que inclui a produção de armas atômicas. A ONU tem uma lista de paises suspeitos de ter a bomba atômica, mas que não admitem possuí-la. O Brasil faz parte dessa lista.

Como se vê, nossos objetivos não eram, essencialmente, produzir energia elétrica.

Ao todo seriam construídas cerca de 10 usinas nuclerares, mas aí veio a crise do petróleo de 79, a década perdida (a de 80), 15 anos de recessão e outras desgraças nacionais... E os militares mal puderam se manter no poder. No meio de tudo isso, o projeto nuclear brasileiro minguou ou adormeceu. Só nos últimos 17 anos o Brasil voltou a se recuparar daqueles 15 anos de estagnação. E só ultimamente se tem falado novamente em Angra III...

Não falarei sobre a necessidade de um país ter armas nucleares, porque procuro não falar o óbvio. Basta dizer que a Argentina também faz parte daquela lista da ONU, e que o projeto argentino, na década de 70, estava até mais adiantado que o brasileiro. Até pouco tempo atrás, nossas maiores preocupações militares estavam na fronteira sul. É onde o grosso do exercito brasileiro se mantinha posicionado. Agora nossas maiores preocupações estão na fronteira norte...

Mas não, meu caro leitor, não dê demasiada atenção às bobagens que digo. Tudo isto é uma bobagem tão grande, que mal costuma ser assunto para as pesquisas escolares. Há, certamente, outros temas mais fundamentais, necessários ou importantes do que as bobagenzinhas que eu disse acima. Só as digo por falta de assunto.  


PS - Este post não foi financiado pela Eletronuclear nem pelos militares. O único subsídio com o qual este post procurou ser escrito foi a verdade, nada mais que a verdade, este artigo de luxo quando falamos sobre certos assuntos...


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Fukushima é aqui, Fukushima não é aqui

2 comentários:

Naiane Julie disse...

Suas 'besteiras' me pareceram bem instrutivas... abç

Paula disse...

Suas ironias são dignas de nota! Parabens! Aaah...obrigado pelo desejo de bom carnaval em meu blog (não repare em meu atraso em te responder) rs